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Jurisprudência Comentada: prescrição, seguro habitacional e danos

4 de março, 2015

paivanunes

Examina-se, nessa oportunidade, julgado da Terceira Turma do STJ, que decidiu questão envolvendo o instituto da prescrição, atinente ao início de incidência do respectivo prazo em caso de danos sucessivos, bem como a não sujeição de terceiro que não ostenta a qualidade de segurado a prazo prescricional.

No caso, o colegiado decidiu que não há como precisar o marco inicial do prazo prescricional nas hipóteses em que ocorrem danos sucessivos, na medida em que, enquanto os danos forem ocorrendo, consequentemente haverá a renovação constante da pretensão pela reparação dos prejuízos. Nada obstante, por se referir ao mérito da questão, não houve apreciação da matéria de fundo no recurso especial. A turma considerou, ainda, que o terceiro beneficiário do seguro não se sujeita a prazo prescricional, uma vez que não deve ser confundido com o segurado. Veja-se a ementa do julgado:
PRESCRIÇÃO. SEGURO HABITACIONAL. DANOS CONTÍNUOS E PERMANENTES.
A quaestio juris está em determinar, à luz do CC/1916, o prazo prescricional para que o beneficiário de seguro habitacional exerça a pretensão de receber indenização decorrente da existência de danos contínuos e permanentes no imóvel. O juiz de primeiro grau reconheceu a existência de danos contínuos e permanentes, salientando que esses vícios não são imputados a um único evento, sobrevindo de causas paulatinas, tais como a invasão de águas pluviais e dos efeitos da maré, além de defeitos decorrentes da execução da obra, motivo pelo qual não há como exigir comunicação específica de sinistro. Por outro lado, o tribunal de origem acolheu a alegação de prescrição, fazendo incidir à espécie o art. 178, § 6º, II, do CC/1916. Consignou ter o contrato sido celebrado em 1º/11/1983, e a ação, promovida mais de 20 anos depois (13/4/2004), sem que o proprietário indicasse a data em que os danos no imóvel surgiram ou se agravaram, obstando a fixação do dies a quo para contagem do prazo prescricional. A Min. Relatora ressaltou que, dada a natureza sucessiva e gradual do dano, sua progressão dá azo a inúmeros sinistros sujeitos à cobertura securitária, renovando sucessivamente a pretensão do beneficiário do seguro e, por conseguinte, o marco inicial do prazo prescricional. A jurisprudência, em situações como essa, tem considerado que a pretensão do beneficiário do seguro emerge no momento em que, comunicado o fato à seguradora, esta se recusa a indenizar. No entanto, na hipótese, não houve recusa formal da seguradora de indenizar, sobretudo, uma data que servisse de base para a contagem do prazo prescricional. Inclusive, o STJ entende que, reconhecendo o acórdão recorrido que o dano foi contínuo, sem possibilidade de definir data para a sua ocorrência e possível conhecimento de sua extensão pelo segurado, não tem como revisar o julgado na via especial, para escolher o dies a quo do prazo prescricional. Assim, é impossível reconhecer a prescrição da pretensão do recorrente de ser indenizado pela seguradora dos danos descritos na exordial. Além do mais, o próprio STJ já consolidou o entendimento de que terceiro beneficiário do seguro não se sujeita ao prazo do art. 178, § 6º, II, do CC/1916, pois não se pode confundi-lo com a figura do segurado. Com essas e outras considerações, a Turma deu provimento ao recurso para afastar a prescrição reconhecida pelo acórdão recorrido, determinando o retorno dos autos à origem para que o Tribunal estadual prossiga o julgamento das apelações, na esteira do devido processo legal. Precedentes citados: REsp 247.347-MG, DJ 24/9/2001, e REsp 401.101-SP, DJ 17/2/2003. REsp 1.143.962-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/3/2012.
PRECEDENTES:
SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO. TERCEIRO BENEFICIÁRIO. ART. 178, § 6º, II, DO CÓDIGO CIVIL.
O terceiro beneficiário do seguro de vida em grupo não se sujeita ao prazo ânuo da prescrição (art. 178, § 6o, Il, do CC), uma vez que não se confunde ele com a figura do segurado. Interpretam-se restritivamente as regras concernentes à prescrição. Precedente da Quarta Turma.
Recurso especial não conhecido.
REsp 247347-MG, Quarta Turma, rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 24/09/2001.
Seguro. Riscos da construção. Prescrição. Cobertura da apólice. Súmula nº 05 da Corte. Embargos de declaração. Artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Súmula nº 98 da Corte.
1. O Acórdão recorrido afirma que o mutuário não participou da contratação do seguro obrigatório, assumido pela recorrente em decorrência da opção feita pela seguradora ré no prazo assinado, alcançando o seguro do sistema de habitação, identificando a sentença que os danos são contínuos e permanentes. Nesse cenário, cobrindo a apólice, segundo o Acórdão recorrido, os riscos da construção, tal como pleiteada a indenização, a prescrição está subordinada ao art. 177 do Código Civil.
2. Interpretando o Acórdão recorrido a cláusula da apólice que cobre o risco objeto da ação, a Súmula nº 05 da Corte não autoriza o trânsito do recurso especial.
3. Os embargos de declaração interpostos com fins de prequestionamento não ensejam a aplicação da multa do art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.
REsp 401.101-SP, Terceira Turma, rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 17/02/2003.
COMENTÁRIOS:
Consoante dispõe o art. 757 do CC/2002, “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” A matéria encontra-se disciplinada no Capítulo XV do diploma civilista, sendo que, dentre as modalidades de seguro, encontra-se o chamado seguro de dano (art. 778 a 778).
Como se vê, o julgado e comento trata de hipótese envolvendo o seguro de dano e, como contrato que é, cuida-se, obviamente, de responsabilidade contratual. Assim, ocorrendo o dano coberto pelo contrato, surge para quem contrata o seguro (pode ser o próprio contratante – segurado/proponente) ou para o beneficiário (terceiro a favor de quem o contratante estipula a proteção) a pretensão para se exigir o que foi estabelecido na avença.
Trata-se, então, de saber quando se inicia o prazo prescricional para que a prestação (direito) seja vindicada do devedor, sendo que a hipótese cuida de danos sucessivos, sem que se possa estabelecer, com precisão, o início da contagem do prazo para que o beneficiário exija o cumprimento do que fora estabelecido no instrumento contratual.
No caso concreto, restou reconhecido pelo juízo a quo (TJ-SP) a ocorrência da prescrição, tendo aplicado à hipótese o art. 178, § 6º, II, do CC/1916, uma vez que o contrato havia sido celebrado no ano de 1983, portanto incidindo a antiga prescrição vintenária, eis que a ação fora proposta em 2004, assim um ano após o vencimento do prazo prescricional considerado como correto em 2ª instância.
No entanto, a Turma julgadora, a nosso juízo, acertadamente, considerou que não há como se estabelecer um prazo inicial de contagem nos casos em que os danos são sucessivos, o que faz com que o prazo para que o segurado ou o beneficiário reclame seu direito em juízo se renove a cada ocorrência de novo dano. Isso restou demonstrado no processo no momento em que o beneficiário do seguro ficou impossibilitado de comunicar, especificamente, o sinistro, como corretamente registrado pelas instâncias ordinárias, e ratificado pela Turma. Assim, deveria, conforme alternativa utilizada pela jurisprudência, ao menos ter havido recusa de pagamento do seguro por parte da entidade seguradora, o que, por ficção, permitiria a fixação do prazo inicial de contagem da prescrição.
A título meramente comparativo e com fins didáticos, na seara criminal, observe-se que, em caso de crimes permanentes, a prescrição (no caso, antes de transitada a sentença final) somente começa a correr depois de cessada a permanência. Cite-se como exemplo os crimes de sequestro e cárcere privado, em que a ação do agente se renova no decurso do tempo, enquanto durar o cárcere da vítima. No caso desse julgado, os danos se prolongaram no tempo, não havendo, de fato, como se estabelecer o início da contagem do prazo prescricional, pois, para tanto, seria necessária a cessação dos danos.
Ultrapassado esse ponto, vejamos a questão relacionada à devolução da matéria à instância inferior.
Ao assinalar que “não tem como revisar o julgado na via especial”, a Turma simplesmente confirma a impossibilidade de análise fático-probatória via recurso especial, uma vez que não compete ao STJ o reexame de fatos e de provas, pois esse tribunal tem como missão uniformizar a interpretação da lei federal no território nacional, vale dizer, revisar ou julgar originariamente (vide art. 105 – CF/1988), sob o ângulo da legalidade, as questões infraconstitucionais.
No tocante aos sujeitos envolvidos no contrato de seguro, entendemos que o órgão julgador agiu acertadamente, ao restringir a sujeição do beneficiário (terceiro) a prazo prescricional, na medida em que este não participa da formação do contrato, que é firmado entre o segurado e o segurador. Daí a interpretação restritiva, já que regras dessa natureza devem ser interpretadas restritivamente. A respeito, confira-se ementa referente a precedente da Quarta Turma do STJ:
“DIREITO CIVIL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. BENEFÍCIO. PRAZO PRESCRICIONAL EM RELAÇÃO AO TERCEIRO BENEFICIÁRIO. ART. 178. PARÁGRAFO 6º, II, CC INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. RECURSO DESACOLHIDO.
O terceiro beneficiário de seguro facultativo em grupo, que não se confunde com a figura do segurado, não se sujeita ao prazo prescricional ânuo previsto no art. 178, parágrafo 6º, II do Código Civil, diante do princípio de que as regras prescricionais devem ser interpretadas restritivamente. (in DJU de 16.03.98)”.
Concluindo, no presente caso restou prejudicada a contagem do prazo prescricional aplicável à espécie, por impossibilidade de sua fixação precisa, como registrado pela Turma, matéria que deve ser objeto de análise das instâncias inferiores. Ademais, também foi acertada a interpretação da Turma ao separar as figuras do segurado/proponente e do beneficiário/terceiro para fins de aplicação do instituto da prescrição.

Fonte: JusBrasil Online

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